Relendo a maior dor de Luiza
Estou sentada na cafeteria da esquina do seu antigo trabalho e o relógio indica que o dia já completou 16 horas de existência. Tomo um capuccino defeituosamente adocicado só pra dar uma de fashionista e dizer que o nível de açúcar que contem na minha xícara combina com o estado da minha vida.
Durante um gole do líquido tinindo de calor, levanto, lentamente, minha cabeça em direção à rua. Meus olhos estavam vidrados na belíssima textura do meu capuccino, mas meus institos reflexivos os fizeram mirar em seu carro que parava do outro lado da rua.
Você sai do carro depressa e dá três longas passadas para tentar diminuir o atraso do trabalho, mas dá meia volta pois se lembra que esqueceu as chaves da sua sala no porta-luvas - se tivesse mais tempo vago (aposto) arriscaria uma olhada para o café e relembraria do momento em que eu estava exatamente na mesma cadeira e você vinha de encontro a mim para me perguntar como fui no primeiro dia de expediente.
Estou rindo. Esqueço da temperatura com um gole do capuccino e queimo minha língua.
Estou chorando: faço sempre momentos presentes se tornarem metáforas para os momentos passados. Queria teus abraços e nossa sincronização corporal. Mas você, há algum tempo, me agradecia pelo ombro amigo que eu lhe dara.
Me lembro que, depois de meses afastados, você veio me ver com o sorriso mais limpo possível. Eu não ria... não poderia demonstrar nenhuma expressão antes de você falar algo. Então, você me olhou dos pés à cabeça (suponho: queria saber se tudo estava no mesmo lugar), me abraçou e disse ajeitando meu cabelo atrás da minha orelha direita que estava com saudades. Pensei durante exatos três segundos como poderia reagir e te agarrei pelo pescoço para te dar o beijo de salvação. Não existia melhor condição no mundo do que saber que eu estava de volta pra onde nunca deveria ter saído.
Esperançoso lembrar de quando retribuíamos amor. Te espero e percebo que você volta do escritório cheio de pastas e maletas... Nesse momento, você resmunga "Luiza sempre dizia que nunca soube me organizar".
Odeio certos momentos que percebo que respiro e pareço que nunca respirei antes. A ordem de expirar e inspirar entra em confronto e eu fico perdida. O mundo me engole, me chama de estranha, e, de fato, pareço ser quando percebo que a cadeira da minha frente está vazia e a xícara respectiva do lugar não está ocupada pelo café expresso com muito leite.
Numa tentativa de me dispersar para que a situação caótica volte ao normal, levo à boca mais um gole de capuccino amargo (pouco açúcar e muito café) e percebo que a temperatura de vinte minutos atrás é a mesma da desse exato momento no recipiente.
Tenho dito: odeio minhas metáforas aleatórias e inegáveis.
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