domingo, 17 de agosto de 2014
Atrás da porta
Você entende o porque de te querer tão bem? Te idealizo, faço pior que Alencar e digo que tua barba são tranças que me tiraram de um abismo da forma mais detalhada possível. Digo que posso te pincelar... te moldar, fazer você se encaixar na pequena palma da minha mão. Sua metragem poderia ser até anatômica, mas até hoje não entendo como teu coração cabe no teu corpo. Por isso, desejo engoli-lo, sentir as batidas dele guiar o meu sangue, meus desejos, pensamentos, e me fazer grandiosa para, quem sabe um dia, conseguir chegar aos teus pés de grandeza.
quarta-feira, 5 de março de 2014
Ando meio desligado
- Bom dia.
A moça de cabelo preso e fardada, o velhinho de cabelos
brancos e penteados para trás com brilhantina
e uma senhora de óculos segurando um guarda-chuvas responderam:
- Bom dia.
Alguns olharam para verificar com quem estavam falando,
outros permaneciam com os olhos vidrados na rua para não perderem o ônibus das
06:45.
Um rapaz magro com um nariz avantajado e de mochila nas
costas corria de encontro a multidão para esperar seu ônibus, pois acreditava
estar atrasado. Na sua última passada, que significou a chegada no seu destino
final, disse, ofegante:
- Bom dia.
A moça, o velhinho e a senhora responderam. Outros
simplesmente fingiram não ouvir, ou estavam ocupados demais observando uma
mulher que puxava de uma perna do outro lado da rua vestida totalmente de
vermelho.
Um homem de cabelo quase raspado que vestia camisa, calça e
sapato social se uniu a multidão. Respirou bem forte e isso fez seu nariz soar
a típica zoada de inspiração e berrou:
- Este é um novo dia, irmões
e irmãs!
Era perceptível que a senhora com o guarda-chuvas na mão
havia preparado a letra "B" que se diluiu nos seus lábios graças ao
susto causado pelo homem que carregava um livro com zíper debaixo do
braço. Numa vista rápida, o olho humano
reconhece a imagem do seu semelhante e identifica qualquer corpo estranho. Foi esse o
motivo da maior observação: uma grande cicatriz na testa do homem sério com
algumas rugas espalhadas.
O velhinho, coitado, talvez muito antiquado para reconhecer
esses costumes de falar alto da modernidade, continuou com sua cabeça baixa,
mas levantou seus olhos para que, de cantinho, pudesse ver alguns vultos de
quem o havia incomodado às 06:50 da manhã.
- Nós estamos preparados, irmões, para este dia. Pelo menos eu, que tomei uma facada bem
aqui, ó - apontou pra sua testa - e estou aqui, pra falar com os senhores e
senhoritas que perdi meu tempo no hospital! De nada valeria se eu não tivesse
fé em nosso Senhor Jeová, que ganhou esse nome e deixou uma história para ser
contada!
A senhora compreendeu a história e observou mais uma vez
aquela intrigante cicatriz na testa do homem. Resolveu continuar acompanhando o
movimento da mão direita dele, que esticava o dedo indicador com o braço pro
alto. Ela entendera que o homem era um representante de Deus e entendia o mundo
tanto quanto Ele, e, por isso, tinha o privilégio de deixar claro a sua
superioridade com seus gestos feitos com a mão.
- ... porque todos nós somos filhos e temos a obrigação de
agradar a Jeová! Em nome d'Ele eu estou aqui, e decidi abandonar o crime... - sim,
irmões, eu traficava drogas e também
usava, mas isso é um passado, é um novo caminho! O Senhor abriu as portas para
eu me tornar pastor, e eu aqui estou neste dia que se inicia! Quem acredita no
poder de Jeová, diga "amém"!
O rapaz tirou seu celular da sua mochila e começou a escutar
música.
Uma mulher de óculos escuros ria da outra do outro lado da
rua porque ela puxava de uma perna.
Uma mãe brigava com seu filho por ele ter se molhado ao
beber água na sua garrafinha. "Menino
desatento, não presta atenção em nada do que faz! Já tomou uma queda hoje
andando na rua!": ela dizia isso em alto e bom tom. Mas o menino prestava atenção no velhinho,
que se demonstrava estar fora de toda aquela realidade e pensava que sua mãe
estava sendo injusta: o vovô sim não estava prestando atenção em nada no que se
passava ao seu redor.
- Eu disse amém, irmões!
Escutei um amém? - o homem bom
continuava a implorar por atenção.
Uma menina de cabelo amarrado e silhueta afinada berrou um amém distorcido, demonstrado ser a sua
primeira palavra do dia.
- Esse é o problema do homem da atualidade, meus amigos! Não
observam nada, não estão em contato mais com as palavras, principalmente as de
Jeová!
O senhor soltou um riso sem mostrar seus dentes -
provavelmente da dentadura - e fez um pouco de barulho. O homem bom ficou
incomodado.
- Meu sinhô, está faltando Jeová no seu coração! Como pode
rir de uma pessoa que está aqui em nome do meu Senhor, e o sinhô não se importa com isso? Não procura responder, ler a bíblia,
acreditar no poder do amém! O sinhô diz um "amém"? Eu ouvi um
"amém"?
O velhinho levantou, lentamente, seu rosto em direção ao
homem que berrava tanto que incomodava a sua pouca audição que a vida havia lhe
roubado ao longo dos anos. De forma clara, mas baixa, soltou, como se estivesse
cantando sua música favorita e tivesse saudades da mesma:
- Bom dia.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
Da maior importância
Não queria que algo a mais entrasse em contato com a minha alma, então, cedia o corpo como forma de aprisionamento de vontades: nós dois estávamos numa cela jogando a mesma dura partida.
O sal da tua pele escorria pelo teu rosto e esquentava a minha, doce por receber a visita dos teus olhos - único instrumento capaz de avaliar situações superficiais.
"Da maior importância" fez a gente discutir, mas eu só não queria que a praga de Caetano pairasse sobre nós.
O sal da tua pele escorria pelo teu rosto e esquentava a minha, doce por receber a visita dos teus olhos - único instrumento capaz de avaliar situações superficiais.
"Da maior importância" fez a gente discutir, mas eu só não queria que a praga de Caetano pairasse sobre nós.
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